Sinapse
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Não é estranho pensar que existe hoje um público que conhece o universo de super-heróis apenas pelo cinema e não mais pelos quadrinhos. Na verdade, é mais provável que essa seja a regra e não mais a exceção. E com tantas histórias que desconstroem a figura do herói — como The Boys e até mesmo Titãs —, é fácil entender por que o Superman não habita mais o imaginário desse público. Por sorte, HQs como Para o Alto e Avante estão aí para manter essa imagem viva.
A história, publicada originalmente em seis edições e compilada pela Panini no Brasil em um único encadernado, é quase como uma carta de amor à era heróica dos quadrinhos. Em uma trama bastante simples, a graphic novel deixa de lado o cinismo que essa nova vertente de personagens carrega para trazer o Homem de Aço àquilo que lhe é mais marcante: o heroísmo.
Para isso, o roteirista Tom King cria uma aventura digna de Sessão da Tarde: uma menina é sequestrada por um alienígena e o Superman cruza universos para resgatá-la. É algo bem básico, mas que retoma muito bem o peso do simbolismo da capa vermelha e do S sobre o peito — e que é reforçado pela arte de Andy Kubert, que adota um estilo bem mais clássico nos desenhos. É um quadrinho que nos lembra o que significa ser herói.
Isso porque o foco da história não é a ação em si. Na verdade, ela pouco importa, tanto que as situações apresentadas quase sempre beiram ao absurdo e os capítulos dialogam muito pouco entre si, funcionando quase como episódios de uma série de TV dos anos 70. O cerne de Superman: Para o Alto e Avante está nas motivações do personagem em busca dessa garota e o que isso diz sobre ser um herói. Ele viaja por mundos e realidades não para salvar o mundo ou impedir o plano de um grande vilão, mas para salvar alguém — porque é isso o que um herói faz.
O Superman, por muito tempo, foi a personificação do areté grego, o conjunto de valores que determinava o homem ideal, tanto no aspecto físico quanto moral. E é por essa razão que o personagem sempre habitou o nosso imaginário: o Homem de Aço era o símbolo do heroísmo justamente por representar esse alguém que é mais do que humano. Não por acaso, as relações entre ele e Jesus Cristo não são poucas. Ambos compartilham as mesmas características do areté.
E Para o Alto e Avante retoma essa relação, ainda que de forma bastante descompromissada. Em um período em que as histórias em quadrinhos e suas adaptações estão mais interessadas em contar sobre personagens cada vez mais humanos, com todas as suas falhas e ambiguidades, o tom ingênuo que Tom King adota em seu Superman é uma lembrança do porquê os super-heróis são os deuses de nossa mitologia moderna. E tudo isso com a leveza de diálogos e situações que não nos deixam esquecer que estamos acompanhando alguém com a cueca por cima das calças.
Talvez ainda seja muito pouco para trazer de volta esse Superman heróico e inspirador para o nosso imaginário, principalmente quando mídias muito mais populares seguem apostando em uma versão do personagem que quebra pescoços e destrói cidades sem a menor cerimônia — afinal, se os mitos são reflexos da sociedade, nem mesmo o todo poderoso Superman é capaz de passar incólume a essas mudanças. Ainda assim, é bom ver histórias que nos lembrem dessa figura heróica e que, como nos filmes dos anos 1970, nos permitam acreditar que o homem pode voar — e muito mais.
Durval Ramos é jornalista e Mestre em Comunicação. Trabalhou na cobertura da área de jogos, tecnologia e cultura pop em sites.como TecMundo, Voxel e Canaltech. Não tem mais espaço pra livros e gibis em casa — mas compra mesmo assim.