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Uma pandemia é daqueles eventos que a maioria das pessoas só imaginava que veria em filmes ou livros. Cinemão pipoca, sala lotada, gritos, correria e suspense. E xingaríamos, óbvio, os personagens mais sem noção, daquele tipo comum em filmes de terror, que adoram subir as escadas quando ouvem um barulho lá em cima (e morrem, claro). A cultura pop é recheada de vírus letais que destroem sociedades, alteram os rumos da humanidade, mudam o equilíbrio de forças, transformam pessoas em zumbis. Tão inimaginável quanto o evento da pandemia em si, é perceber que boa parte da população mundial age como a criatura descerebrada da película de horror. E descobrimos que aquilo não é roteirismo, é o ser humano em seu estado bruto mesmo.
Parte da população parece ter problemas crônicos com o uso de máscaras. Como se não fôssemos uma sociedade de mascarados por natureza. Mas as máscaras sociais não nos protegem do vírus, de modo que precisamos das visíveis para tal tarefa. O negacionismo nada mais é que a dificuldade em aceitar o diferente, o que recai diretamente no conceito do conservadorismo, do tradicionalismo. Paralisar o tempo. Não mudar nada. Sem adaptação, porém, a sociedade paralisa, e é como nos sentimos hoje, paralisados em meio à neurose pandêmica, rodeados de iludidos que insistem numa vida que não é mais a de meses atrás. Tudo mudou. Ou mudamos todos, juntos, ou seguiremos responsáveis por uma infinidade cada vez maior de óbitos.
Quando pensamos que a sociedade evoluiu, e que seríamos mais pacíficos e racionais no tão aguardado século XXI, nos vemos em meio à turba ensandecida de gente que acredita no inacreditável, confia no inominável e chafurda na lama das falsas promessas de curas fáceis. Combate-se inimigos inexistentes e finge-se que os invisíveis, estes sim reais, não nos rodeiam. Se o poder público nada mais é que espelho do povo, precisamos, talvez, de um novo povo. Mas por estas plagas a atitude típica seria trocar de espelho. E usar a máscara como gargantilha.
Com uma classe política mais afeita às guerras ideológicas de conveniência e uma sociedade pronta a apontar culpados e promover remédios ineficazes, temos um caldeirão de sandices digna dos momentos mais psicodélicos da história da humanidade. O gato subiu no telhado porque sabe que, se descer, encontrará humanos. O efeito manada é exacerbado pela internet em um nível inimaginável há anos. A internet se mostrava uma maravilha tecnológica que democratizaria o conhecimento e daria voz a todos. Nada mais errado. O uso inadequado de qualquer instrumento, de qualquer tecnologia, pode nos levar para um labirinto sem saída. Vários caminhos, sem um mapa, sem uma bússola. A porta se fecha quando se olha para trás. Subimos degrau por degrau a grande e rangente escada de madeira, rumo ao som que ouvimos no quarto fechado do andar de cima. Desarmados, pegamos a chave e abrimos a porta. Entramos no cômodo, donos da razão, vemos o que queremos ver. E não saímos mais, vítimas da ilusão projetada pela nossa mente coletiva perturbada.
Fabiano de Queiroz Jucá, nascido em Curitiba, safra 1977. Bibliotecário, revisor de textos e escritor, trabalha com literatura desde 2011. Tem dois livros publicados de forma independente, em formato físico: Rua de Pedra em Sépia (2017) e Tente Outra Vez (2018), além de contos publicados digitalmente nas plataformas Amazon e Wattpad.