Prefácio
Claudemar Alves Fernandes
A pandemia que se instaurou em 2020 colocou o mundo em efervescência e se escancarou para a área da saúde a urgência científica para uma produção alopática. Muitas outras questões foram e são colocadas para todos os campos da vida humana, as quais conclamam por investigação. Entre elas, os estudos linguísticos discursivos que analisam as produções de discursos e as subjetividades sob determinações históricas e sociais encontram-se diante de uma materialidade verbo-visual de natureza complexa. Nessa história do presente, as formas de comunicação e de interação humana, assim como os processos de produção, circulação e funcionamento dos discursos, sofreram reviravoltas. Preocupados com essas questões, o grupo de pesquisadores reunidos para a produção desta coletânea oferece aos leitores um conjunto de estudos voltados para a análise dos discursos e dos processos de constituição dos sujeitos discursivos afetados pela pandemia decorrente da COVID-19.
Os estudos então reunidos abordam temáticas atualíssimas e procuram explicitar, por meio das análises dos discursos, questões agravantes que, na pandemia, assolam camadas sociais e acentuam as desigualdades. Nesse momento incerto, em que a vida se encontra sob evidente ameaça, as condições de vida dos grupos sociais classificados como minorias, tais como negros e pobres, são abordadas por meio da análise de discursos que versam sobre a intensidade, e/ou predominância da morte, nesse presente sombrio. Essa incidência aterrorizante sobre as camadas sociais mais pobres deve-se à condição de distanciamento social recomendada como forma para evitar a contaminação pelo vírus; porém, isso escancara a desigualdade social, pois entre os mais pobres nem todos têm condições socioeconômicas para manter-se em casa. Diante de tais situações, esta coletânea apresenta reflexões sobre o uso das tecnologias digitais no espaço de dialogismo e interação socioeducacional com vistas a abordar desafios impostos pela pandemia de COVID-19, em que o tempo e as relações sociais precisam ser reinventados.
Considerando que as realidades históricas e sociais atuam na produção da subjetividade e nas construções identitárias, os estudos oferecidos aos leitores por meio desta publicação questionam e refletem sobre os processos de produção de identidade e os mecanismos pelos quais os sujeitos se mostram, ou são objetivados, sob condições de produção dos discursos nessa atualidade. Da mesma forma, os estudos aqui reunidos procuram explicitar as formas de resistência, de reinvenção de si, e de atuação política e social possibilitadas por discursos, e a efervescência de sentidos daí decorrentes. Concernente ao que os recursos tecnológicos destinados à comunicação possibilitam, destacam-se as chamadas fake news (notícias falsas, ou, simplesmente: mentiras) e seus efeitos na produção de subjetividade, nos jogos de verdade instaurados, que se apresentam nos posicionamentos dos sujeitos; e, juntamente a isso, nos efeitos para a vida, tendo em vista os agravantes à democracia. As análises discursivas então empreendidas, entre outros aspectos, cumprem o papel fundamental de explicitar a limitação imposta à participação popular nos processos de escolha política, de participação nas direções que o país, em termos de governo, deveria seguir, vestido inclusive do papel de gerir a vida de todas as camadas da população.
Entre os vários aspectos abordados nesta coletânea por meio de análises discursivas, os discursos políticos de caráter obscurantista, especialmente no Brasil, que muitas vezes obstruem e até mesmo procuram anular a legitimidade da ciência, também são focalizados pela seleção e análise de enunciados propagados em redes sociotécnicas. Com vistas a explicitar os efeitos desses discursos e seus impactos nos mais variados segmentos sociais, os estudos mostram o funcionamento da ideologia nas construções identitárias e na reafirmação de valores reacionários, que se contrapõem às possibilidades científicas que indicam à população formas de proteção da saúde, formas de conduta voltadas para a preservação da vida saudável. Na contramão da busca de solução para minimizar os efeitos e até mesmo eliminar a pandemia, os discursos e posicionamentos do chefe do Executivo, o presidente do Brasil, são trazidos para discussão, uma vez que eles contrastam com as orientações e determinações científicas. Ressalta-se, nessa feita, que às práticas discursivas vinculam-se relações de poder atuantes nas produções de subjetividade, e, por conseguinte, nas construções de verdades para sujeitos dispersos na sociedade.
Anísio Batista Pereira
Lucas Araújo Chagas
Conceição Maria Alves De Araújo Guisardi
Anísio Batista Pereira
Lucas Araújo Chagas
Conceição Maria Alves De Araújo Guisardi