Design Editorial
Lindsay Cresto
01 de agosto de 2021

O livro nas páginas da história

Ou porque gostamos tanto dos livros impressos.


O fim do livro já foi decretado no final da década de 1990 e 2000, com a chegada de leitores, chamados e-readers como o kindle e o Ipad, com maior espaço de armazenamento do que uma biblioteca física e outras facilidades de leitura. Ainda assim, o livro impresso continua presente no cotidiano. Há quem defenda que é pelo prazer de sentir o cheiro das páginas de um livro novo, pela sua articulação histórica a um objeto artístico ou pela facilidade de navegar pelas suas folhas. Um bom projeto gráfico é melhor apreciado na versão impressa, na qual a variedade tipográfica, a textura das páginas, as cores e ilustrações presentes na capa aguçam os sentidos. O livro, como objeto de informação, de estudo, de sonho, tem uma longa história.

O livro, como conhecemos hoje, surgiu no Ocidente seguindo o modelo do códice cristão, usado para difundir as passagens bíblicas. O códice era composto por folhas de papiro ou pergaminho, usadas também no verso e unidas por encadernação. Mais difundido a partir do século IV, chegaram a funcionar como compilações de bibliotecas. Já o papel, uma invenção chinesa, chegou à Europa no século XI, popularizando-se em diversos países. Antes disso, placas de argila, papiros, bambus, sedas e pergaminhos advindos de peles de animais, entre outros materiais, serviram como suportes para a escrita. O papiro, invenção egípcia, era feito com fibras de junco, foi utilizado no Livro dos Mortos, que era escrito em primeira pessoa pelo futuro falecido e depositado na tumba para ajudá-lo a “triunfar” sobre os “perigos do submundo”. Os textos funerários empregavam hieróglifos e figuras na comunicação de rituais.

No período medieval, eram os mosteiros os centros de estudo e produção de livros. Escribas e iluminadores deveriam ser capazes de copiar textos em diferentes idiomas, adotando como técnica a linha reta com letras retas, de mesmo tamanho e formato. Era um trabalho silencioso, que durava cerca de seis horas e dependia da luz natural e de muita dedicação para ser realizado. Os iluminadores tinham como função tornar o texto mais atrativo visualmente, com uso de letras capitulares, orlas e iluminuras nas páginas, melhorando a comunicação e compreensão.

O alemão Johannes Gutemberg (1400-1468) é considerado o inventor da impressão com tipos móveis de metal, um marco também para a impressão de livros. Gutemberg foi o primeiro a imprimir uma Bíblia, chegando a produzir 180 livros por ano. A Bíblia foi impressa com letra gótica (blackletter), cuja estreiteza possibilitava a produção de livros com menos páginas. A letra se assemelhava à arquitetura gótica, cuja a altitude simbolizava a tentativa de se aproximar de Deus. Ademais, a Bíblia foi a primeira motivação para os livros, difundindo o trabalho de impressores pelo mundo, influenciados pela evangelização e viagens de missionários.

Em vista da ascensão do Renascimento, nos séculos XVI e XVII, livros passaram a ser impressos com fontes tipográficas old style, que por sua vez, haviam sido inspiradas na Capitalis Romana, escrita utilizada em monumentos durante a Antiguidade Clássica. Fontes old style possibilitaram a criação de uma mancha gráfica mais leve a partir de tipos mais largos e geométricos e do maior espaçamento entre as linhas. Também era comum o emprego de imagens realizadas a partir do processo de calcogravura, ou seja, da gravura em metal. Capas de couro com detalhes dourados também eram usuais.

Durante o século XIX, a Revolução industrial, o aumento das taxas de alfabetismo, a escalada das universidades e da educação informal, a ascensão de mercadores e profissionais como advogados, incentivaram o consumo de livros em diversos países. Livros passaram a ser comercializados em lojas especializadas, em mercados populares e por vendedores ambulantes e viajantes. Romances famosos como os de Jane Austen, Alexandre Dumas, Lewis Carroll e Mary Shelley datam dos 1800.  Ainda no século XIX, capas de couro passam a ser substituídas, em maior medida, pelas de tecido, barateando a produção. A monocromia dourada pode ser apreciada em uma ampla gama de capas de livros dos mais variados gêneros literários. A cromolitografia criada em meados do século XIX possibilita a impressão de capas coloridas, permitindo que livros sejam comercializados apenas com capas feitas em papel, tornando o consumo mais democrático. Os chamados yellowbacks da Grã-Bretanha são exemplos de tal transformação tecnológica.  

No final do século XIX, William Morris com seu interesse por livros antigos e iluminuras medievais, fundou a Kelmscott Press, uma editora especializada em recuperar os padrões elevados da criação livresca datada do período medieval em contraposição à produção de livros de menor qualidade viabilizada pela industrialização. O primeiro tipo criado por Morris foi o Golden, inspirado nos tipos romanos produzidos no século XV por Nicolas Jenson, aprendiz na oficina de Gutenberg, pois ele tinha intenção de imprimir The Golden Legend, de Jacobus de Voragine. Morris era um admirador de livros e tipos. Possuía em sua biblioteca belos manuscritos medievais. Morris estudou tipos, ampliando e reduzindo, desenhando-os inúmeras vezes. Seu primeiro livro, com tiragem inicial de vinte cópias, The Story of the Glittering Plain foi escrito por ele e ilustrado por Walter Crane. Crane defendia que o ornamento, figuras ou padronagens deveriam fazer parte da página e estar integrados ao projeto global do livro, pensado de modo semelhante a um projeto arquitetônico (MEGGS; PURVIS, 2009). Morris publicou 53 títulos, com cerca de 18 mil exemplares, utilizando produção artesanal de papéis, pergaminhos e xilogravuras confeccionadas manualmente, além de filetes e capitulares decorativas. A Kelmscott Press influenciou a produção de livros, estimulando padrões elevados e o trabalho de impressores em vários países.

No século XX a litografia offset possibilita a impressão colorida mais rápida e ainda mais barata, permitindo projetos editoriais variados. A Livraria do Globo, criada na década de 1930, e a Civilização Brasileira, criada no mesmo período, foram responsáveis por estabelecer um padrão nas publicações de livro no Brasil na primeira metade do século XX. As capas de Edgar Koetz enfatizavam a atmosfera de suspense com traços expressionistas nos romances de mistério com fundo amarelo e ilustrações vibrantes, como em O espectro da cara cinzenta, de 1937.  Editoras destacaram-se pelos projetos de títulos padronizados, como é o caso da Editora Perspectiva, que publicou diversos títulos desde 1965 no Brasil. A coleção Debates ficou famosa pelo projeto que padronizou informações na capa, junto com um formato de bolso e mais popular, dividido por áreas do conhecimento e presente em bibliotecas universitárias ainda hoje como referência de estudo.

 

“Se imaginarmos toda a história da comunicação textual como um ano, considerando o início da escrita na Suméria como primeiro de janeiro, o códice foi inventado em setembro, Gutenberg produziu o tipo móvel em fins de novembro, a internet (...) por volta do meio-dia de 31 de dezembro, e os livros eletrônicos surgiram perto do pôr do sol” (LYONS, 2011, p. 11).

 

 Diferentemente daqueles que preveem a extinção da produção de livros impressos devido à ascensão dos computadores, é possível que a internet seja uma aliada na manutenção da cultura impressa, uma vez que divulga e faz circular textos. Sendo assim, é provável que as três formas de produção de texto – à mão, impressa e eletrônica - continuem coexistindo (CHARTIER, 2007).

 

 

Referências

LYONS, Martyn. Livro – Uma história viva. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2011.

MEGGS, P.; PURVIS, A. História do design gráfico. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

MELO, Chico Homem de; RAMOS, Elaine (orgs.). Linha do tempo do design gráfico no Brasil. São Paulo: Cosac Naify, 2011.

CHARTIER, Roger. “Os livros resistirão às tecnologias digitais”. Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/938/roger-chartier-os-livros-resistirao-as-tecnologias-digitais>. Acesso em: 10.03.2021.

 

 


AS AUTORAS

Lindsay Cresto é designer de produto, especialista em Design de mobiliário, mestre e doutora em Tecnologia e Sociedade. Docente dos cursos de Design da Universidade Tecnológica Federal do Paraná desde 2015, atua nas áreas de História e Teoria do Design, Semiótica, Estudos de Gênero e da Cultura material. Aspirante a blogueira no @teoria_do_design, perfil que publica pesquisas relacionadas à História e Teoria do Design em diversas áreas. Contato: [email protected]

 

Maureen Schaefer França é designer gráfica, especialista em Embalagem, mestre e doutora em Tecnologia e Sociedade. Docente dos cursos de Design da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Interessa-se pelas relações entre design e marcadores sociais.  Também é aspirante a blogueira no @teoria_do_design. Contato: [email protected]

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